segunda-feira, 24 de maio de 2010

Eles nem sabem nem sonham...


"Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida
 tão concreta e definida como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento, de focinho pontiagudo, que fossa
através de tudo num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral, contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante, caravela quinhentista, que é cabo da Boa
Esperança, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor,
passo de dança, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pára-raios,
locomotiva,barco de proa festiva, alto-forno, geradora, cisão do átomo,
radar, ultra-som, televisão, desembarque em foguetão na superfície
lunar. Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que
sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida
entre as mãos de uma criança.”

 António Gedeão, Pedra Filosofal, In Movimento Perpétuo, 1956

1 comentário:

  1. o sonho, a esperança... a vida avança enquanto houver uma pitada de cada!

    kiss

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